Carta Mensal: Fevereiro 2025
Cenário Internacional
As profundas transformações já encaminhadas nos primeiros 45 dias da nova administração Trump nos campos do comércio internacional, da política fiscal e da geopolítica geraram grande volatilidade nos ativos internacionais ao longo de fevereiro. O cenário foi marcado por anúncios seguidos de adiamentos de novas tarifas de importação, aumentando a imprevisibilidade dos rumos da política comercial norte americana. Ao mesmo tempo, os sinais de uma mudança radical na postura dos EUA em relação aos aliados históricos e, em particular, no conflito entre Rússia-Ucrânia evidenciaram a maior reconfiguração geopolítica do pós-guerra, adicionando incertezas sobre o crescimento global e a inflação. Esse contexto elevou os riscos para a previsibilidade dos principais indicadores econômicos, ampliando as expectativas de menor crescimento nas economias avançadas. Como reflexo, as taxas das Treasuries recuaram, o dólar se enfraqueceu e as projeções de menos cortes de juros na Europa, aliadas às expectativas de aumento nos gastos militares, impulsionaram o euro. As bolsas americanas fecharam o mês em queda, com movimento mais acentuado no índice Nasdaq, que, em 28/02, já acumulava variação negativa no ano.
Detalhamentos
Em fevereiro, os mercados globais reagiram às tão aguardadas medidas do governo “Trump 2.0”. Setores sensíveis para a manufatura doméstica como os de aço e alumínio sofreram com o anúncio de aumentos de tarifas de até 25%, com a promessa de estender esses aumentos para automóveis, semicondutores, produtos farmacêuticos, entre outros. Tivemos ainda a confirmação de incrementos uniformes a todos os bens originários do México, Canadá e China, com posterior adiamento no caso dos vizinhos. Esse movimento despertou retaliações imediatas, elevando os temores de uma escalada na Guerra Tarifária. As turbulências causadas pelas ações do novo governo no campo geopolítico foram igualmente impactantes. A principal delas ficou por conta das demonstrações de distanciamento em relação à Aliança Transatlântica, que culminou na reversão do posicionamento norte-americano em relação ao conflito da Ucrânia, levando à suspensão da ajuda militar e de inteligência ao país.
Os mercados reagiram a esse vendaval com aumento da aversão a risco e o desmonte do que se convencionou chamar de ”Trump Trade”. As bolsas americanas registraram queda significativa em relação aos patamares máximos alcançados no mês, revertendo boa parte dos ganhos acumulados após a eleição de Donald Trump. O dólar apresentou queda modesta em relação às principais moedas – queda de pouco mais de -1,0% no mês no índice DXY, que compara o dólar americano com uma cesta de moedas de países desenvolvidos, e a procura por proteção levou a forte redução das taxas das Treasuries norte americanas. Até mesmo os criptoativos, em sua maior parte, cederam de preços em fevereiro, com base na ausência de novos comentários favoráveis de Trump sobre essa classe de ativos. As moedas emergentes também voltaram a ganhar força, após o salto de janeiro, sobretudo aquelas com elevado carrego de juros (visto na imagem a seguir). Vale também observar que, no fim do mês, indicadores mais fracos da atividade econômica dos EUA, juntamente com projeções mais conservadoras de vendas do Walmart (maior varejista do mundo) e queda dos índices de confiança do consumidor reforçaram a precificação de um ciclo de corte de juros pelo Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) mais intenso até fim do ano. No ambiente corporativo, destaque para a grande disparidade entre techs americanas (conhecidas como Mag Seven) e chinesas, além do forte aumento de lucros nos Estados Unidos.
Nos ativos de renda fixa², fevereiro apresentou um comportamento volátil das taxas de juros soberanas, que terminaram o mês levemente abaixo do fechamento de janeiro. Dados econômicos mais fracos e uma percepção de que o Tesouro poderia estar influenciando a taxa de juros de longo prazo, foram alguns dos motivos. Após comentários mais incisivos do secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, sobre a vontade de influenciar para baixo a taxa de juros de longo prazo, vimos, este mês, discussões sobre uma possível desregulamentação da alavancagem dos bancos americanos. Esse tipo de medida abriria espaço para que eles pudessem comprar títulos soberanos de longo prazo e assim reduzir a taxa de juros praticada nesses vencimentos. No mês, a rentabilidade dos títulos de prazo de 2 e 10 anos ficou próxima a +0,41% e +2,47%, respectivamente.
Em renda variável, como antecipado acima, ganhou os holofotes o desempenho muito díspar entre as Mag Seven (cerca de -10,0%) e as maiores techs chinesas (aproximadamente +20,0%), conhecidas pela sigla BATX (Baidu, Alibaba, Tencent e Xiaomi). A força do movimento fez comentaristas passarem a se referir às americanas como Lag Seven (do inglês, Sete Retardatárias). Entre as causas, cresceu a leitura de que a China pode triunfar em inteligência artificial (AI), balizada pela Deep Seek e pelo lançamento da AI da Alibaba. Maior peso do índice Hang Seng, a companhia protagonizou o rali chinês (cerca de +45,0%). Vale pontuar que as Mag Seven tem um múltiplo preço-lucro (P/L) de 41x, comparado a 18x no BATX. Com a queda em Microsoft, Google e outras big techs, setores convencionais (ex.: petroleiras +2,61%, alimentícias +4,87%) se saíram bem, e a Europa foi melhor que Estados Unidos. No mais, próxima ao fim, a temporada de resultados americana mostra crescimento anual de lucros muito forte (+14% frente ao quarto trimestre de 2023), amparado justamente pelo setor de tecnologia (+20%).
Cenário Doméstico
Os ativos locais seguiram o cenário internacional por mais um mês: bolsa em queda, juros futuros curtos para baixo e leve fortalecimento da moeda doméstica frente ao dólar americano. Nem mesmo a crise de popularidade do governo Lula, que desencadeou uma reação populista, foi capaz de suplantar a narrativa externa que preponderou sobre o nosso mercado.
Detalhamentos
A desaceleração econômica, juntamente à melhora do Real frente ao dólar, finalmente parece ter tomado o centro da discussão dos juros no Brasil, após meses de piora nas taxas dos contratos futuros, motivadas pelos receios com a política fiscal. A perda de tração no ritmo de crescimento do PIB no quarto trimestre ficou evidente a cada indicador, e os mercados, que encerraram 2024 precificando uma taxa Selic acima de 17,00% para dezembro/25, já passaram a precificar uma taxa de cerca de 15,00% ao final do ano (visto na imagem a seguir). Os demais ativos domésticos, assim como visto no cenário externo, mostraram desempenhos distintos: o Ibovespa e o índice de small caps apresentaram quedas, ao passo que o Real se valorizou frente ao dólar americano, mas em magnitude bem menor que a vista em janeiro. No mercado acionário, mercado pelos reportes trimestrais de lucros, o desempenho de duas blue chips (Vale e Ambev) impediu quedas maiores no índice.
Ainda no macro, a perda de ritmo da economia, somada a uma inflação mais forte no grupo dos alimentos (que pressiona mais severamente o custo de vida), trouxe a combinação perfeita para acirrar a queda de aprovação de Lula, forçando o governo a agir. No cardápio das medidas consideradas pelo presidente para recuperar a popularidade, estão: a isenção de IR para ganhos até R$ 5 mil, o programa de crédito consignado para trabalhadores no regime da CLT, a ampliação do Auxílio-Gás, a liberação do saldo do FGTS dos trabalhadores demitidos que optaram pelo saque-aniversário e a correção no valor do Bolsa Família pela inflação. Ao mesmo tempo em que temem que o governo extrapole os limites fiscais para vencer as eleições, os mercados identificam grande dificuldade do governo em sair dessa situação de fragilidade. Essa paralisia ficou evidente no imbróglio envolvendo o corte do financiamento ao crédito subsidiado do Plano Safra. No Legislativo, após as eleições para a presidência da Câmara e do Senado, as prioridades na agenda de votações sequer foram endereçadas em fevereiro e residem no Orçamento de 2025 (que está atrasado) e no reajuste da tabela do IR.
Nos ativos de renda fixa³, o mês de fevereiro mostrou um comportamento interessante. Enquanto os contratos futuros de juros de curto prazo apresentaram queda nas taxas de juros, os de longo prazo (com vencimento após 2035) apresentaram alta. Essa dinâmica pode ter como principal motivo o fato de que o mercado ainda se preocupa com a política fiscal expansionista de Lula e que o ministro da Fazenda não estaria conseguindo mais servir como um contrapeso a essas ideias. Interessante notar que este mês foi recheado de novas emissões de títulos brasileiros no mercado local e internacional, que, em grande parte, tiveram ótima aceitação pelo mercado. A Raízen e o Itaú emitiram títulos de dívida no mercado internacional (bonds) com forte demanda dos investidores em ambas as ofertas. Juntas, as operações movimentaram US$ 2,75 bilhões, e a demanda chegou a US$ 2,9 bilhões, o que garantiu uma redução das taxas indicadas inicialmente. A subsidiária integral da Vale, a Vale Overseas Limited, realizou uma captação adicional de US$ 750 milhões (cerca de R$ 4,316 bilhões) em bonds. No mês, o preço dos contratos futuros (PU) dos juros de 2 anos subiu +1,19%, enquanto os contratos de 10 anos caíram -1,88%. No ano, as rentabilidades dos juros curtos e longos são de +4,39% e +4,34%, respectivamente. As NTN-Bs com vencimento em 2050 ficaram próximas ao fechamento de janeiro, cotadas a IPCA+7,45%. No ano, os ativos ligados à inflação mais longos, medidos pelo índice da Anbima (IMA-B+), terminaram o mês com uma alta de +0,71%.
Nos ativos de renda variável, o noticiário corporativo local voltou a ser mais agitado, após meses parados. Boa parte das companhias relevantes do país reportou lucros nas últimas semanas, com desempenho pouco acima do esperado. No setor financeiro, grandes bancos reiteraram a cautela no crédito à frente, diante das incertezas macroeconômicas. Com o forte tombo do Nubank após seu relatório, o Itaú voltou a ser o banco mais valioso da América Latina. Em commodities, a estatal Petrobras desapontou (investimentos maiores, dividendos menores) e a indústria florestal reiterou seus planos de desalavancagem, após anos de projetos dispendiosos. Entre as maiores altas do mês, a Ambev superou amplamente o consenso. Como a companhia tem mais de metade de seu negócio fora do país, uma das causas pode ser o enfraquecimento do real. De maneira geral, assim como fizeram os bancos, o tom das companhias não financeiras tem sido bastante cauteloso quanto ao futuro próximo.